São os problemas estruturais que os ODS buscam resolver

Os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) nasceram para promover transformações reais nos territórios, nas pessoas e nos sistemas sociais, ambientais e econômicos. Essa é uma essência que, muitas vezes, se perde quando pessoas e organizações se concentram mais em listar ações do que em demonstrar mudanças concretas.

Ao longo da trilha de Letramento ODS promovida pelo Movimento ODS Santa Catarina, iniciada com a pergunta provocativa “Tem certeza que está no caminho certo?” e seguida pela reflexão sobre a origem dos ODS e sobre a necessidade de medir impacto positivo, um ponto se tornou inevitável: não existe contribuição verdadeira para os ODS sem impacto comprovado. A trilha teve como propósito capacitar os signatários do Movimento ODS SC para compreenderem, interpretarem e aplicarem os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável em sua realidade, fortalecendo o entendimento de que compromisso com os ODS exige prática consistente, evidências e resultados visando solucionar problemas estruturais do planeta e da humanidade.

É comum que iniciativas bem-intencionadas sejam divulgadas como “ações ODS”, mesmo quando não promovem nenhuma transformação mensurável. Essa distorção não ocorre por má fé, mas pela falta de compreensão sobre o que os ODS pedem. Os ODS não são listas de temas; são metas específicas que medem avanços concretos. Assim, uma ação não contribui com o ODS 4 apenas porque envolve educação, nem apoia o ODS 13 simplesmente por citar clima. Para ser considerada ODS, uma ação precisa responder claramente a uma pergunta fundamental: “O que mudou por causa dessa intervenção?”

Essa distinção passa por compreender a diferença entre resultado e impacto. Resultado é o que se entrega imediatamente, como o número de pessoas atendidas, de mudas plantadas, de palestras realizadas. Embora necessários, resultados não revelam transformação. Impacto, por outro lado, é a mudança que acontece no público ou no território após a intervenção, e que pode ser comprovada. Se quarenta pessoas participam de um curso profissionalizante, isso é um resultado. Se, após alguns meses, vinte e oito delas conquistam emprego formal por conta do curso, isso é impacto. Se uma praça é revitalizada, temos um resultado. Se, com a revitalização, o espaço passa a ser utilizado diariamente por cem pessoas e os registros de furtos caem a zero, temos impacto. Enquanto o resultado mostra o “o que foi feito”, o impacto revela “o que mudou”.

Para identificar se um projeto contribui de fato para a Agenda 2030, quatro pilares são indispensáveis:

O primeiro é a relação direta com uma meta específica dos ODS. Não basta que o projeto “dialogue” com um tema, ele precisa alterar algum aspecto medido por uma meta. Os ODS são compostos por metas que orientam onde o mundo precisa avançar. Um projeto só pode ser considerado ODS quando interfere positivamente em uma dessas metas.

A segunda condição é ter uma linha de base, ou seja, um diagnóstico inicial que mostre como estava a realidade antes do projeto. Sem uma fotografia do ponto de partida, não há como saber se a intervenção provocou alguma mudança. É necessário ter um diagnóstico inicial que justifique a intervenção, para ao finalizar a intervenção poder comparar a mudança que ocorreu.

O terceiro elemento é a definição de indicadores, que podem ser quantitativos como porcentagens, taxas, quantidades e variações numéricas ou qualitativos, que analisam percepções, comportamentos, relatos e mudanças subjetivas. É por meio dos indicadores que se mede o quanto a realidade se modificou.

Por fim, o quarto pilar são as evidências. Elas são as provas concretas de que o impacto ocorreu: fotos de antes e depois, registros técnicos, dados estatísticos, documentos oficiais, listas de presença, depoimentos e avaliações são exemplos de formas que podem evidenciar que a mudança ocorreu.

Quando esses quatro elementos estão presentes, é possível afirmar com segurança que uma ação, além de bem-intencionada, promoveu transformação alinhada aos ODS. Para ilustrar esse processo, alguns exemplos ajudam a visualizar como o raciocínio funciona na prática.

Exemplo 1
O primeiro deles é o caso de um projeto voltado à meta 6.2, que trata do acesso a saneamento e higiene adequados. Antes da intervenção, apenas 21% das famílias de uma comunidade rural tinham banheiro adequado; 34% ainda praticavam defecação a céu aberto; 18 casos de doenças diarreicas em crianças eram registrados por mês; e somente 42% das famílias tinham hábitos adequados de higiene. Com a implantação de banheiros, ações educativas e melhorias estruturais, os indicadores se transformaram: 97% das famílias passaram a ter banheiro, a prática de defecação a céu aberto foi eliminada, as doenças diarreicas reduziram 83% e os hábitos de higiene adequados passaram a 88%. Esse é um exemplo completo de impacto comprovado porque houve linha de base, indicadores e evidências, e principalmente porque algo mudou de verdade.

Exemplo 2
Também há exemplos fortes no campo do trabalho e juventude. A meta 8.6, na versão adaptada pelo IPEA para o Brasil, estabelece a redução da proporção de jovens que não estudam, não trabalham e não estão em formação profissional. Em um projeto focado nessa meta, a linha de base mostrava que 28% dos jovens estavam nessa condição. Após ações de formação, mentoria e inserção profissional, o índice caiu para 19%. A empregabilidade dos jovens participantes aumentou de 19% para 46%, e a participação em cursos técnicos saltou de 12% para 58%. A transformação é clara, mensurável e diretamente conectada à meta.

Esses exemplos revelam que a verdadeira contribuição para os ODS está na mudança provocada e não na ação em si. Plantar árvores, oferecer cursos e revitalizar espaços são iniciativas importantes, mas só se tornam ações ODS quando produzem impacto comprovado sobre uma meta.

A fórmula final para identificar um projeto ODS é simples: ele deve estar alinhado a uma meta específica, apresentar linha de base antes da intervenção, medir indicadores e comprovar, por meio de evidências, que houve uma mudança significativa causada pela ação. Quando essas condições são atendidas, o projeto deixa de ser apenas uma boa prática e se torna, de fato, uma ação transformadora alinhada com a Agenda 2030.

Afinal, os ODS exigem mais do que boa vontade: exigem rigor técnico, responsabilidade e compromisso com a transformação real. E a pergunta que deve sempre orientar a avaliação de qualquer projeto é simples e poderosa: o que realmente mudou por causa da sua intervenção?

Se a resposta puder ser comprovada, existe impacto. Se existe impacto, então existe contribuição para os ODS. É isso que conta e é isso que transforma. Essa clareza evita que se confunda solidariedade com desenvolvimento sustentável. Duas coisas importantes, mas fundamentalmente diferentes.

Ações de solidariedade são necessárias para resolver problemas pontuais, mas não os problemas estruturais que os ODS buscam resolver. Por exemplo, uma ação pontual de doação de cestas básicas não tira ninguém da linha de pobreza (ODS 1)ou do mapa da fome (ODS 2). Ela resolve a fome naquele momento, mas depois que param as doações as pessoas retornam para a linha de fome. Para ser ODS, a ação deve focar em fazer com que essas pessoas não dependam mais das doações.

Os ODS estão em tudo, mas nem tudo é ODS.  

 

Texto: Regina May de Farias – Assessora Executiva do Movimento ODS SC

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